A Borboleta

Fonte: We Heart It
   As sapatilhas já estão um pouco gastas, mas não fazem barulho no piso encerado. A moça entra na sala, larga sua bolsa num cano e caminha em direção ao grande espelho. Nele, ela cola uma foto. Suspiro. Liga um rádio pequeno que está sobre uma cadeira no canto da sala.

   Com passos leves, ela se dirige ao centro da sala e fecha os olhos. Começa a dançar em perfeita harmonia com a música, passos e rodopios que lembram a delicadeza de uma pequena borboleta. Ela rodopia, salta, gira, enquanto  música muda de tom. A moça acompanha a melodia, sentindo cada nota e a convertendo em movimento.

   Chega no clímax da música. A mulher se posiciona no canto da sala, gira, rodopia e para. E então, começa a correr. A respiração controlada. As pernas longas e fortes a impulsionam para cima e para frente. Os braços finos são graciosos no ar, estendidos como as asas de um pássaro. Por um momento, o salto é perfeito, mas, na hora do pouso, a moça perde o equilíbrio e cai. Como um passarinho que cai tentando arriscar seu primeiro voo.

   Persistente, a mulher retoma a música, repete os passos e tenta uma, duas, várias vezes seguidas. Todas com falha, exatamente na hora do salto. A tensão aumenta, a delicadeza permanece, mas se percebe a determinação nos olhos que agora estão focados, o olhar direcionado para a foto colada no espelho.

   O sorriso largo da garota na foto parece lhe dar forças, e a moça faz outra tentativa. Dessa vez, ela aumenta o volume da música, mas, curiosamente, é outra melodia que parece comandar a coreografia. Em seus ouvidos o som de uma risada ecoa. Duas melodias e uma sintonia. O salto é um sucesso. A borboleta alça voo. E torna a pousar de maneira graciosa. A música continua, assim como a moça, que rodopia, sorridente. 

   E, no final, ela para com graça. Ofegante, levanta o rosto. Os olhos brilham. A pose final é como uma reverência. Mas não há público, não há quem a aplauda. Porém, independente disso, ela conseguiu. As sapatilhas, um pouco gastas, escondem pés calejados e doloridos. As pernas parecem bambas.

   Balança os braços para aliviar a tensão enquando caminha até o espelho. Desgruda a foto. É um retrato pequeno de uma garota de cabelos castanhos, esses estão presos em um coque. Um sorriso largo, sincero, Olhos dourados e pele bronzeada. Um diadema dourado enfeita-lhe os cabelos. Ela veste um vestido longo, branco pérola. nas mãos, segura um violino.

   -Essa foi para você, Luce.

   A moça luta contra a vontade de chorar, olha-se no espelho, sorrindo (um sorriso como o da garota da foto, sincero) para seu reflexo. Um rosto mais magro, pele igualmente bronzeada. Olhos, curiosamente, castanhos. Suspiro. 

   Desliga o rádio, guarda a foto na bolsa e sai, apagando as luzes. A bailarina, antes de sair, despede-se do público imaginário. Aplausos são ouvidos, e o riso ecoa nos ouvidos da moça.

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